quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Peruada -nos tempos de Certas Canções


"Depois de muito tempo de inatividade, no primeiro ano de calouro voltou a acontecer a Peruada, uma passeata que se dizia político-etílica-carnavalesca dos estudantes da São Francisco pelo centro da cidade. Comemorava, basicamente, a sacanagem estudantil, ou pomposamente no apropriado latim, ridendo castigat morus. Diz a história que os primeiros perus foram furtados da exposição de um professor e depois servidos, inclusive ao próprio dono. Não havia nada mais política e ecologicamente incorretos. Mas o desfile de todo outubro festejava a própria festa e o fato de ter voltado nos últimos anos de regime militar, prenunciava o lento e gradual retorno à liberdade.
Resisti o quanto pude, peruada atrás de peruada, a me fantasiar, como muitos dos outros faziam, justamente porque era a graça da festa. Mas não recusava beber, mesmo naqueles dias de torturante calor, coquetéis preparados no XI de Agosto em enormes caldeirões, com partes da caninha Jamel, nossa eterna patrocinadora, e sucos de frutas variados. No último ano, eu me lembro que conseguimos uma ambulância da Prefeitura para recolher os bêbados que iam ficando pelo caminho. Na peruada, como nas demais passeatas, também metíamos pau no Maluf e na ditadura, só que com mais risos, enquanto éramos acompanhados pela bateria da Vai-Vai e depois por trios elétricos.
Que eu me lembre foram apenas duas recaídas.
Na primeira, para cumprir uma simpatia de candidato, saí com um vestidinho dois palmos acima do joelho e muita maquiagem, que aprendi, borrava imensamente com o suor. Discursei pendurado nos ombros do Lula, que havia sido meu primeiro companheiro de pinga, durante a tradicional invasão do Fórum João Mendes.
Na segunda, mais circunspecto e responsável, estava de grande comandante. Blusa e calça verdes, um quepe preto com uma estrela vermelha no centro. A barba rala por fazer. E uma faixa com a frase de uma geração inteira estrategicamente dividida. Na frente, hay que endurecer; nas costas, sin perder la ternura jamás. Do que ocorreu depois da quarta dose da batida, nunca me lembrei nem mesmo no dia seguinte. Mas o office-boy que trabalhava com a minha mãe e a seu mando foi fazer um serviço no Centro, jura ter visto o filho da patroa subindo fantasiado de militar em cima de uma perua da tv, enquanto conclamava a ira dos demais: o povo não é bobo...."

2 comentários:

Márcio Reiff disse...

Gostei muito da crônica, Marcelo. Você manda muito bem. Abração.

REIFF

Linda Tassitch disse...

Fez-me lembrar de tempos que parecem não querer mais voltar... sinto saudade das críticas irreverentes (e pertinentes!) da juventude de então.

Gostei muito.