quarta-feira, 27 de agosto de 2008

LETRAS E LEITURAS ENTREVISTA MARCELO SEMER

A jornalista Mona Dorf entrevista Marcelo Semer sobre Certas Canções e gostos literários, para o programa Letras e Leituras, da Rádio Eldorado AM.

Ouça a entrevista

Ou leia seus principais trechos:

Marcelo, como um autor de livros e artigos jurídicos, tão específicos foi parar na ficção? Fale-me do seu livro: Certas Canções...

Embora tenha feito carreira na área jurídica, como advogado e juiz; sempre tive o sonho de escrever ficção, acho que até pelo intenso relacionamento com a literatura desde pequeno. A vontade de escrever é anterior ao direito - e de alguma forma esteve presente na minha formação, pois trabalhei no jornalismo e cursei Letras. Certas Canções é um diário político-sentimental de um estudante nos anos 80, entremeado de versos da MPB e do rock nacional. É um mergulho na lembrança de uma época muito importante da história recente - o reencontro do país com a esperança e a cidadania, com o movimento das Diretas-Já; e, depois, com a frustração. É também um romance de formação de jovens, tomando contato com as sutis diferenças entre amizade e amor.

No livro você retrata a geração herdeira de 68, ou seja, que nasceu nos anos 60 e viveu depois nos 80 um rescaldo, sonhos desiludidos com eleições diretas frustradas, mas o legal é que o fio condutor acaba sendo algumas letras que pautavam a agenda política, e o que virou a nossa história. Que tal comentar algumas músicas? Você gosta de alguma letra em especial?

O livro começa no show do Milton Nascimento no Ginásio do Ibirapuera que antecedeu a passeata das diretas, onde cantávamos Coração de Estudante, com a qual, mais tarde, iríamos enterrar Tancredo Neves e boa parte das nossas esperanças. Eu busquei músicas que ainda serviam de referência para as mobilizações, como Chico Buarque em “Apesar de Você”, e “Vai Passar”, hino dos estertores do regime militar. Mas gosto muito de “Certas Canções”, que acabou dando título ao livro, porque expressa muito essa relação de proximidade com a MPB: todas as músicas que ouvíamos falavam da gente - são as canções que ouço, e como dizia Milton, que cabem tão dentro de mim.

Essas são as letras da sua infância e adolescência. E os livros, quais obras marcaram a sua trajetória?

Ler sempre foi e continua sendo minha maior diversão. Livros que me marcaram muito na adolescência foram O Estrangeiro de Albert Camus e Metamorfose, de Kafka, impactos de estranhamento diante do mundo. Depois, me apaixonei, pelo realismo mágico de García Márquez, com a saga de Macondo, e todos os livros que maravilhosamente iam se encaixando em Cem Anos de Solidão. Adulto, tomei contato com Saramago, uma prosa engajada, mas nem por isso menos poética, lírica, parece que nenhuma palavra está escrita ao acaso.

E depois como advogado e professor, você conseguiu continuar a ler literatura?

O direito é uma ciência essencialmente humana. Mas o seu ensino é muito ligado à técnica e as leis. E é muito comum que quando a gente começa a vida profissional, se dedique a tantos livros técnicos que se esquece de ler aqueles livros que justamente nos ensinam o humanismo. O estudante ou o profissional de direito deve estar atento a isto. Imprescindível ter contato com Os Miseráveis, de Victor Hugo, O Processo, de Kafka, ou Crime e Castigo, de Dostoiévski, tanto mais quem trabalha no direito penal como eu. A literatura nos ajuda a não perder a dimensão do humano.

As críticas do seu livro Certas Canções foram ótimas, isso te anima a escrever algum outro?

Fiquei surpreso e muito contente com as reações positivas a Certas Canções - já que é o meu primeiro romance. Percebi que ele tem empolgado muito as pessoas da minha geração, que se encontram nas páginas de Certas Canções, mas também aquelas que já eram adultas nos anos 80, e viram aqueles anos com olhos mais maduros. Até mesmo jovens que curtem uma nostalgia do que gostariam de ter conhecido. É lógico que isso me anima a continuar.


Veja no JOGO RÁPIDO os livros marcantes para Marcelo Semer citados no programa:

Livro de Cabeceira: Bocas do Tempo, de Eduardo Galeano, bom para cabeceira, para ler aos poucos e aos pedacinhos.

O que você está lendo no momento? Casei com um Comunista, de Philip Roth, sobre a época do macarthismo, uma ameaça sempre presente.

O que pretende ler? Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum, também uma mescla de ficção e memória.

Um título inesquecível: O retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde.

Romance do Coração: O evangelho segundo Jesus Cristo de Saramago.

Literatura que conta: Aquela que te apaixona, que te faz viajar...

Livro que seu melhor amigo está lendo: Razão e sentimento de Jane Austen.

Um clássico brasileiro: Machado de Assis, ele mesmo, um produtor de vários clássicos.

Uma obra estrangeira fundamental: Em busca do tempo perdido, de Proust.

Poetas indispensáveis:Fernando Pessoa, Castro Alves e Pablo Neruda.

Texto ou livro ao qual você recorre na hora do apuro: Uma música tocante, que é também bela poesia: Como nossos pais, na voz de Elis. Um sinal de alerta. Sempre me comove.

Nota de Rodapé: “Mas se as derrotas do presente não eram suficientes, nós ainda perdíamos o futuro. Depois de anos dourados e anos rebeldes, parece que vivíamos os anos perdidos. Mas para nós que nos amávamos tanto, esses anos não foram tão inúteis assim. Nós perdemos muito. Mas nada perdemos com tanta dor e ao mesmo tempo prazer quanto a inocência”. (Certas Canções)

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